A vida e o impacto de Lacy Ribeiro

"Lacy Ribeiro, escritora maldita, bendita, iluminada, querida por todos e mal entendida por alguns, faz uma literatura diversificada: poesia, contos, crônicas, romances, ensaios, etc"
"Avenida República: diário na madrugada", publicado em 1987, foi um movimento literário-político que se enquadrava na chamada "literatura marginal", onde mostrava características do realismo social escondidas ao meio capitalista.
Lacy Fernandes Ribeiro foi uma incrível mulher, poeta, contista e romancista que escreveu tal obra citada anteriormente, seus livros são reflexos da sua experiência durante a ditadura militar, uma forma em que ela encontrou de mostrar ao público a literatura como meio de denúncia das misérias sociais que eram subitamente ignoradas.
Nascida em 1948, em Barra de São Francisco/ES, veio ainda jovem para Vitória em busca de melhores oportunidades de estudo e trabalho. Viveu a ditadura militar e conseguiu se graduar em Direito pela UFES e, com isso, passou a escrever obras literárias maduras, realistas e com uma modéstia à ironia vivida entre pessoas de realidades distintas. Diante disso, começou a escrever sobre o que via nas ruas todos os dias e que era brutalmente ignorado e marginalizado, tais como assuntos LBGTSQIAPN +, AIDS, mendigos, viciados, solidão, desamor, violência e a miséria.
Publicou sua primeira crônica, Uma criança pobre, em 1965, no jornal da Igreja Presbiteriana de Vitória. Depois disso ficou 17 anos sem publicar nenhum de seus escritos, surgindo, na década de 1980 com o livro de estreia Primeiros passos, um volume de poesias (seu único trabalho no gênero). Seus amigos Amylton de Almeida (1946-1995) e Luiz Fernando Tatagiba (1946-1998), escreveram o prefácio de uma das suas mais famosas obras citadas no início deste texto, que dizia "[...] "Deixemos a burguesia, os beletristas, com sua literatura de salão. De casa colonial, de varanda aveludada. Mergulhemos de vez na esquina. Aí estão as escadarias, os bares, becos, a baía de Vitória. O boteco, a praça, a avenida. O submundo do prostíbulo e da ponte. Aí estão os ônibus superlotados, a carona inesperada da madrugada. A aventura de viver. Aí está Lacy fazendo uma literatura-vida, viva, dura e madura. Com o ruído das ruas. [...]", denunciando a literatura capixaba como alienada e sujeita aos prazeres da burguesia
O que caracterizava suas obras era a linguagem hiper-realista, fragmentária e jornalística, além de ser militante de esquerda filiada ao Partido Comunista do Brasil, foi advogada, secretária de multinacionais e comunista, Lacy transformou e consolidou a leitura e a interpretação do realismo, modificando o social em cultura, de forma com que todas as classes sociais pudessem ter a mesma oportunidade de ler qualquer informação. Dessa forma, sua literatura foi denominada como "literatura marginal", porque ela escrevia uma literatura de realismo social, que retratava personagens considerados como marginais ou desajustados de todo tipo, arremessados pela engrenagem capitalista que moía e consumia a todos. Em sua literatura, Lacy Ribeiro os colocava como protagonistas da cena literária, com uma linguagem realista, sintética, minimalista, nos dois primeiros livros de contos, Avenida República e Contos de réis ou verborrágica e barroquizante em Contos bastardos. Lacy, portanto, sempre foi uma mulher excepcionalmente forte, confiante e que fazia justiça pelos que não eram escutados, manifestando-se através de seus contos e sua literatura de denúncia, sempre buscando o real, o povo da rua, das madrugadas, os bares, pontos de ônibus, a sucinta rotina a que a sociedade viv(e)ia. Seu impacto é visível ao redor das pessoas, justamente por ter mudado o modo com que a literatura é vista e retratada, de forma com que fosse prestigiada por autores de todo o Brasil.
O auge de sua carreira literária ocorreu ao ganhar dois concursos literários do DEC, hoje SECULT, na categoria romance, em 1989, com Rocks e baladas de Marcos Furtado e, em 1990, na categoria Contos, com Contos bastardos, sua melhor obra literária. Sua última aparição foi a notícia de sua morte, em Janeiro de 2013, quando foi brutalmente assassinada.
Com isso, levamos não só a memória, mas a história e a inspiração de pensar e ser como Lacy, usando a literatura como instrumento de justiça, denúncia e fala dos que precisam gritar para serem ouvidos e a quem nunca é priorizado.
A Avenida República,
antiga Rua da Vala,
continua vala, república a fora.
Permanece, nas madrugadas,
de carnaval a carnaval,
com seus sujos em bloco
a destilarem o sonho
das cinzas não só das
quartas-feiras, mas das
segundas, terças, quintas, sextas...
O fio da lâmina que separa
a noite do dia
é o espaço mágico que junta
esperança e ilusão de homem
e cidade conviverem
em harmonia.
Lacy Ribeiro, Avenida República
